sábado, 24 de outubro de 2009

Palhaço - Caderno de anotações 2


Características primordiais do palhaço

A tentativa deste tópico é partir de certos apontamentos empíricos que descobri, dentro de minha pesquisa, sobre ações e reações que servem de base para o trabalho criativo do palhaço. Estas foram denominadas escuta e comentário. É necessário, todavia, argumentar que minha experiência tem sustentação em oficinas com alguns dos melhores artistas brasileiros; como Ésio Magalhães, Márcio Ballas, Zé Regino, Fernando Escrisch, Ana Luisa Cardoso; na CIA Cordel de Palhaços e na Trupe Maria Cutia; além de trabalhos específicos em diversos festivais.

Desta forma, foi possível identificar alguns elementos importantes para o trabalho inicial de percepção, assimilação e jogo cênico dentro de sua lógica. Uma das principais observações “caras” ao palhaço é a escuta, atinar o ouvido para tudo que é sonoro. Estando no palco ou na rua, o palhaço deve reagir a tudo que é externo e audível a todos que estão naquele ambiente. Se acontecer uma freada de caminhão, uma buzina, alguém que grita algo, ou algum outro imprevisto que todos escutaram e que trouxe uma percepção coletiva, o palhaço não deve ignorá-lo. E aquilo, espetacularmente, não deve ser tomado como algo de ruim, mas sim novo, possível de jogo - mesmo que sendo apenas um comentário.

O comentário deve existir sempre que algo de novo acontece dentro da cena, seja imprevisto ou não. Se um pedaço de madeira cai no chão o palhaço deve comentar com o público, ou seja, deve, pelo olhar, comunicar de maneira clara e simples, qual a sua percepção daquilo, se aquilo é bom ou ruim, por exemplo. Ao determinar e identificar tal reação para o público cria-se uma cumplicidade entre os dois que, neste momento, deve guiar todo o restante da cena quando esta remeter àquele pedaço de madeira. Tais comentários são importantíssimos para que o espectador entenda, futuramente, a relação do palhaço com aquele fato.

Tais apontamentos servem, entretanto, apenas para direcionar pontos básicos sobre a natureza racional do palhaço. Necessariamente, auxiliam-o a construir este universo lúdico peculiar, subversivo e estranho ao comportamento cotidiano, exacerbando características e ações que utilizam a lógica não mais pelo nicho previsível, mas pelo inusitado. Todas as lógicas têm fundamento, inclusive a do palhaço. Esta se fundamenta na distorção de convenções, é aberta ao diálogo com o absurdo, embora esse absurdo parta de uma lógica, a lógica daquele palhaço.

Leonardo Rocha

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