sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Palhaço - Caderno de Anotações 3


Aspectos distintos de jogo do palhaço e do ator


Uma das querelas mais promovidas na interpretação do palhaço é até quando é encenação, improviso ou representação. O pesquisador José Regino, também palhaço, apresenta em sua tese aquilo que denomina de pontos fixos.

Após a improvisação escolhíamos os momentos que melhor
contribuíam para contar a história que estávamos criando.
Esses momentos eram adotados como pontos fixos.
Voltávamos a improvisar entre o primeiro momento e o final,
dessa vez tendo que passar pelos pontos fixos,
improvisando entre um e outro ponto (REGINO, 2008, p. 42).

Ao ter esta noção cênica, daquilo que é essencial para se contar aquela história, nota-se que todos os elementos que estão presentes entre estes pontos fixos são absolutamente imprevisíveis e, por conseguinte, trabalham com a improvisação do palhaço. Assim, a criação dramatúrgica se estabelece, posto que existe uma histó
ria a ser contada sem, entretanto, ferir uma das principais características do palhaço: o improviso.

A esse processo até a conclusão da cena.
Em seguida o registro da improvisação era feito pelos
pontos fixos e não pelo que acontecia entre um e outro.
Esse processo acabou definindo a forma final do espetáculo.
Em cena improvisamos, chegando a criar novas situações,
mas jamais deixamos de passar por um ponto fixo.
Tal procedimento garante a unidade do trabalho final
(REGINO, 2008, p. 42)
.

Neste ponto não se pode comparar a criação cênica do palhaço com a do ator, posto que a primeira para o segundo seria apenas um exercício e não um resultado. O ator, em essência, deve conseguir encontrar tais mecanismos de representação e assimilá-los de forma coerente e verdadeira em todas as suas próximas apresentações. Já com o palhaço o que acontece é o inverso. Quase nada daquilo que foi descoberto por meio do improviso deve ser levado à cena corriqueiramente, sob o efeito de esta se tornar representação e não haverá mais espaço para o improviso. Não existe, por conseguinte, uma “falsidade”, um fingimento cênico com aquilo que faz, ele se guia apenas por pontos fixos, mas abre espaço para o novo, para o imprevisível - assim como os canovaccios da Commedia Dell´arte .

O clown é a exposição do ridículo e das fraquezas
de cada um. Logo, ele é um tipo pessoal e único.
Uma pessoa pode ter tendências para o clown
branco ou o clown augusto, dependendo de sua
personalidade. O clown não representa,
ele é - o que faz lembrar os bobos e os bufões
da Idade Média. Não se trata de um personagem,
ou seja, uma entidade externa a nós, mas da
ampliação e dilatação dos aspectos ingênuos,
puros e humanos (como nos clods 35) portanto
"estúpidos", de nosso próprio ser. François Fratellini,
membro de tradicional família
de clowns europeus, dizia:
"No teatro os comediantes
fazem de conta. Nós, os clowns,
fazemos as coisas de verdade. (BURNIER, 2001, p. 209).

Tendo por base o jogo de improvisação de ambos, é possível que um ator improvise nos ensaios e aquilo se torne algo absolutamente crível e que funcione dentro do espetáculo. Já com o palhaço, por sua essência de estar sempre no momento presente, esta possibilidade se torna remota se este intentar re(a)presentar aquilo que foi descoberto em improviso. Isto porque ele é entrecortado por acontecimentos e ações que são reais apenas no momento em que aconteceram – não há como fingir posteriormente. Este “fingimento” torna tudo falso, sem crédito, e não há sentido cômico para aquilo, posto que o exercício e percepção do riso para o palhaço devem ser reais e sinceros. Apenas intencionar ser engraçado, tentar fazer algo cômico, já determina um caminho contrário para o estudo da interpretação do palhaço.

Exatamente não querendo ser engraçado
ele tem mais possibilidade de ser.
O Riso
é um efeito produzido pelo prazer cômico,
provocado por uma atuação convincente,
espontânea e exe
cutada de uma forma
inadvertida. Passamos então a adotar uma
frase como lema que repetíamos sempre antes
da nossa entrada em cena: Vamos ao encontro
do inesperado (REGINO, 2008, p. 44).

Por isso, o que importa não é o que o palhaço faz. E sim o modo como ele faz. A graça está contida exatamente na forma "séria", comprometida e viva com que ele se relaciona com o fato. Um dos palhaços mais respeitados atualmente, Avner Eisenberg (The Eccentric), comenta em seu site sobre os 16 princípios do palhaço. E no antipenúltimo tópico ele diz: "é essencial ser interessado, não interessante". Desta forma, ao demostrar que sua ação é de suma importância, instaura-se a verdadeira razão do palhaço. Ele não inventa ser assim. Ele simplesmente o é.


Leonardo Rocha

3 comentários:

  1. Muitíssimo interessante essa análise sobre o jogo do palhaço. Sei que a intenção é um debate, mas eu, lamentavelmente, sou leiga no assunto. Por isso, não acredito poder acrescentar algo. Mas, se me permitem só levantar a bola... me chama muito a atenção essa diferença entre o palhaço e o ator. Esta claríssimo o que o Leonardo falou a respeito, qto à improvisação e o aproveitamento do q ocorre no momento. Mas, uma dúvida: ora, o palhaço também é um personagem criado. Portanto, fora a questão do improviso, no resto, existe uma linha muito tênue entre um e outro... Quais são os limites entre o personagem do palhaço e a pessoa que interpreta? Posso ser mais "eu" que meu personagem?
    Queria só deixar minha observação e meus parabéns pelo belo trabalho!
    Um grande bjo para minha amiga Begônia!
    Dani

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  2. Olá Danielle! Muito complicada sua pergunta, mas vou tentar responder com base naquilo que acredito. Ainda não consigo definir o palhaço como personagem, posto que isto seria algo mais representativo, ilusório, tentar se passar por um outro. O palhaço não é um outro, ele é você mesmo, com peculiaridades e humores absolutamente pessoais. Assim, não pode ser uma personagem, sendo esta algo imaginária, mesmo quando retratando uma pessoa que existe ou existiu. O que o palhaço faz é exacerbar coisas que são suas, portanto, intransferíveis. A questão da improvisação, inclusive, passa por isto já que, assim como ator, improvisa com referências partindo de um arcabouço pessoal. Entretanto, são reações suas, sem o imaginário de pensar com a cabeça de um outro. Em suma, talvez o palhaço seja você, mas em "outro lugar". Agora, isso é uma opinião, não uma regra. Ok? rs
    Obrigado pelo carinho e atenção com o blog. Por favor, continue acompanhando! Beijos!

    Leonardo.

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  3. Muito bacana sua opinião. Pode não ser regra, mas, se surte efeito, então é válida! Li seus outros posts sobre o assunto e espero que você possa publicar sua tese aqui, no futuro. Eu ia gostar de saber mais...Achei super interessante mesmo!
    Boa sorte em sua pesquisa, Leonardo, e sucesso (ou posso dizer "merda" aqui?!) para essa trupe fantástica!
    Quero sim acompanhar, sempre que possível, o trabalho de vocês, seja pelo Blog, seja nas ruas de BH... E esse fim de semana em Brasília lembrarei de vocês: http://www.seuestrelo.art.br/index.php?option=com_content&view=article&id=23&Itemid=9
    Mais uma vez, parabéns e obrigada pelo debate
    Dani

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