quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O mendigo, o cachorro e a praça no dia do juízo inicial

Estamos começando um ano novo e é inevitável fazer um balanço de tudo o que se vive. Não é a toa que todo final de ano ouvimos tantas promessas do tipo “ano que vem eu paro de fumar” e no ano seguinte “dessa vez eu paro mesmo”. Pois bem, como todas as pessoas eu estive pensando com meus botões para me lembrar de coisas que foram importantes, principalmente profissionais. Lembrei-me das viagens, dos projetos aprovados, na minha câmera que consegui finalmente comprar. Mas o que me marcou profundamente este ano foi um dos momentos mais difíceis da minha vida enquanto artista.

Acontece que às vezes a gente não percebe com quem está falando e muito menos o que está falando, aí tudo se desmorona e de repente lembramos que a gente erra - e feio. Este dia estávamos nos apresentando na Praça da Liberdade. Existiam várias donas de casa com seus cãezinhos, achei aquilo muito engraçado e comecei a usar isso em cena. Porém, a última pessoa que brinquei foi com um mendigo e seu cachorro terminando a piada da seguinte maneira: “Vira-lata, você veio também?”

O problema é que quando se vive na rua, à margem de tudo e todos, passando despercebido pelas pessoas, o seu cão se torna realmente o melhor amigo e seu companheiro inseparável.
A torrente de impropérios que ele soltou contra mim, que fiquei ali parado olhando nos olhos de cão encolerizado do mendigo, deixou todos calados e entristeceu nosso espetáculo. Fiquei com cara de tacho, pedindo desculpas com os olhos até que ele fosse embora retumbando sua voz pela praça. Lembrei-me do Zé Regino, um amigo palhaço que nos ensinou muito. Ele dizia que um dos momentos mais sublimes para alma de um palhaço são aqueles que você está numa enrrascada, olha pro céu e pede: “Me mata!”, e Ele não te mata, você tem que ir até o fim.

E realmente, aquilo que senti foi visceral e com certeza a coisa mais importante que me aconteceu profissionalmente, pois percebi minha pequenez, minha inteligência patagônica, o tanto que eu sou ignorante e insensível. Depois dessas é que entendo porque escolhi essa profissão. Alguns saltam de pára-quedas no olho do furacão, outros escalam picos altíssimos, mas meu risco é o do Teatro, e ele causa as mais delirantes viagens, as mais vertiginosas aventuras e os mais deliciosos sabores que já experimentei.


Hugo Araújo

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