sábado, 19 de junho de 2010

O poeta do romance (ou de quando se fez nova escrita)

Certos olhos vêem aquilo que não é palavra
Laçam de pronto o instante, a melodia do acaso

Roçam e não se cansam de roçar o agora


Certos olhos podem ver além do olho
Ultrapassam a barreira do físico

Atravessam a íris feito lança


Certos olhos compõem

Ditam versos para as mãos
Na esperança de serem transcritos exatamente


Certos olhos lambem o horizonte

Acariciam as cores pela palavra
E fazem troça de que não existe nada além


Certos olhos se arremessam na amplidão
Rodopiam em sua própria órbita

Avançam de ímpeto


E de algo fica aquilo:

Certos olhos não podem ser fechados


* 1922 - 2010 ...

José Saramago

Leonardo.

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