domingo, 3 de julho de 2011

Nosso Vale do Jequitinhonha

Um mês depois de voltar do Vale, acho que o turbilhão de emoção tá mais calmo, pronto pra refletir um pouco.
Santa Maria do Salto
Partimos de viagem no fim de abril, pra chegar ao Vale do Jequitinhonha pelo norte de Minas. Aproveitando a rota pelo Norte, nos apresentamos em Januária, São Francisco e Montes Claros. Lindos espetáculos, cheios de amigos antigos (sou de Montes Claros e cresci em São Francisco, então apresentar pelas bandas do norte é sempre um caminhão de lembranças e emoções pra mim, nessas terras que eu tanto brinquei de fazer teatro) e de amigos novos - como os queridíssimos do Grupo Caramuru, de Januária, que pegaram o boi no chifre e produziram o nosso espetáculo com todo o carinho do mundo na cidade. 

Jordânia
Porém, depois de 3 espetáculos lindos, acordei na segunda de cama, com febre, sem fome, sem força. Resultado: médico e dengue! E um longo discurso do médico que não há profissão no mundo que exige alguém trabalhar doente. E eu explicava que era artista, que precisava seguir viagem. E ele, irredutível, me mandou voltar pra casa e ficar de repouso por, no mínimo, uma semana. Voltamos pra Belo Horizonte e, na semana seguinte, pé na estrada com o Barroso (nosso Doblò), finalmente rumo ao Vale. 

Salto da Divisa
Em por todo mês de Maio, passamos por Itaobim, Pedra Azul, Almenara (e seus distritos: Pedra Grande Sacode), Rubim (e seu distrito Itapiru), Salto da DivisaJordâniaSanta Maria do Salto, Bandeira, Palmóplolis (seus distritos: 2 de Abril e Jeribá) e Caraí (e seus distritos: Corujas, Queixadinha, Ribeirão de Santana, Maranhão Ponto de Marambaia).
Ponto do Marambaia - distrito de Caraí
Muitas histórias escritas na vida do NA RODA - esse espetáculo que roda, roda e vai se transformando na relação mais direta que existe no mundo: o encontro do público com o artista. Por exemplo, a história do Seu José, do distrito de Sacode, em Almenara, que empurrou o capeta (ou o Hugo) na história do menino sem nome e, ao final, veio falar com a gente: "Eu não podia deixar o capeta chegar perto de mim, cês me desculpem!". Outra de uma dona em Maranhão (distrito de Caraí) que me beliscava quando eu pedi colinho na hora da briga com o Martim - e não era beliscãozinho de brincadeira não! Era pra valer -, o que me levou a chamá-la, na hora de peneirá-la de "Dona Beliscão". Em Santa Maria do Salto, prepararam iluminação especial pra gente, como aquelas de barraquinhas na porta da Igreja, em uma praça linda, com uma grande pedra ao fundo... e nesse dia, caiu até uma onça no nosso chapéu! Em Salto da Divisa, nosso cenário foi o Velho Jequitinhonha ao fundo, numa arena que reuniu mais de mil pessoas. 
Estrada para Sacode - distrito de Almenara
Em Bandeira, apresentamos numa quadra para também uma multidão e muitos mosquitos querendo porque querendo entrar guela abaixo da gente durante a cantoria. Em Rubim, São Pedro ameaçou, mas segurou a chuva pra gente poder apresentar no meio da rua - do jeito que a gente mais gosta. Em Jeribá, distrito de Palmópolis, apresentamos numa rua inclinada, em frente a uma Igrejinha e na cidade, fizemos uma festança com o grupo de brincantes da Terceira Idade - que deram uma canseira na gente com mais de 2h de rodas regadas a uma sanfona ágil e uma dona zabumbeira que num perdia o ritmo nem dançando.
       Pedra Grande - distrito de Almenara
Em Caraí, cidade que eu e a Marielle conhecemos há 10 anos, vimos tudo mudado. Cidade crescida, cheia de prédios, comércio desenvolvido. Não encontramos nenhum adulto que virou as crianças que conhecemos na época do UniSol (projeto de extensão da PUC na época que estudamos lá). Muitos partiram pra São Paulo, pra outras cidades e não voltaram mais. Dona Luzete, uma doninha que fazia sucos pra gente com frutas do seu pomar nessa época, ainda está viva, mas apesar de berrarmos por meia hora no seu portão, não nos ouviu. E o grupo de teatro com o qual trabalhei em 2003, foi reativado e tá rodando Minas. 
Pedra Grande - distrito de Almenara
Em Almenara e por todo o Baixo Vale, tivemos a companhia e toda a mobilização da minha grande amiga Luciana - assistente social a arte-mobilizadora. Lu, na sua loucura produtiva que vale o trabalho de 10 pessoas, ficou no vai e vem com a gente, no monta e desmonta som, no boca a boca nos distritos, chamando o povo pra sair de casa, nessa vida de artista mambembe em busca do seu público. Muitas vezes, éramos também acompanhados pela Maria Flor (filha da Lu), que, ao final da turnê, já sabia todas as falas e todas as músicas do espetáculo - mas sempre se escondia atras dos outros na hora do capeta. Quando chegamos a Salto da Divisa, Maria Flor explicava pra sua priminha Sofia: "Olha Sofia, tem um capeta, mas não fica com medo porque ele é o Hugo". Dia desses, a Lu me ligou e contava que a Maria Flor só vive cantando as músicas como a Tia Má, que não cantava mais "Tideiosoltedei" (como ela chama a música hit do Luan Santana).

Ao todo foram 21 espetáculos pelo Vale, com um público de mais de 11 mil pessoas, passando por 9 municípios e 10 distritos - lugares que, muitas vezes, nenhum grupo de teatro profissional já foi. Foram mais de 3 mil quilômetros rodados com mais de 100 horas dentro do carro. Tudo isso só foi possível porque, além da nossa vontade gigante, tivemos também o apoio do prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua 2010 e dos Postos de gasolina Ale
Bandeira
Quando perguntávamos às crianças se já tinham visto teatro, umas 2 ou 3 levantavam as mãos. Se já tinha ido ao circo, em alguns lugares todas diziam que sim. Em outros, nem circo, nem teatro, conheciam palhaços das vaqueijadas. E sempre perguntávamos os nomes dos palhaços. E as respostas: Silicone, Furreca, Piririca...


E fica a vontade de voltar, a saudade do Vale, essa terra tão rica quando a matéria é gente!


Relatos de Mariana Arruda

Um comentário:

  1. Fiquei emocionada em ler as peculiaridades de cada cidade, cada apresentacao!
    Parabens, cutias! Obrigada FUNARTE e ALE!
    Beijos,
    Dani

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