O palhaço é um abismo. Em uma das mãos, sustenta uma flor, na outra, uma bigorna. Uma das conjecturas mais bem trabalhadas sobre o palhaço é feita pelo mestre Avner: "o palhaço não deve ser interessante, deve ser interessado". Retornando há pouco de uma saída de palhaços acontecida na cidade de Mariana - promovida pelo Circovolante no 2° Encontro Internacional de Palhaços - e conversando com Protzner e Mariana posteriormente, recolhi algumas possibilidades. Em um evento como este, com muitas pessoas, palhaços, malabaristas, acróbatas, atores, músicos e ademais, não há como se trabalhar certos aspectos específicos do jogo do palhaço (como a escuta, o olhar, a triangulação, o silêncio). É tudo muito rápido e em constante desassossego cênico. Os "espectadores", ou observadores, não esperam ao contrário do que imaginava - mesmo já tendo participado de diversas "saídas" - uma graça, uma gag, uma esquisitice cômica. Posto que não há tanto espaço para apreciações, mas apenas para observações superficiais do público. Isto, pois são muitas imagens contínuas, exacerbadas e coletivas, é como em um jogo de improvisação com vários palhaços que não se olham, não se comunicam, não se escutam, gerando enorme confusão e profusão de in-dramaturgias.
No entanto, naquele espaço proposto com aqueles naquela circunstância, é interessante, porque cria um não-foco para o palhaço, e isto, no seu universo, é como a falta de ar de um peixe que se vê fora d´água. Ele se debate feito um epiléptico almejando que alguém o veja ou o lance novamente para dentro do mar - ou o palco, ou ainda para o "lugar de onde se vê". Doravante, paradoxalmente a tal fato, é necessário desferir uma energia colossal, mesmo que interna, para sustentar aquilo que alguns denominam "estado", mas que para mim é presença, atenção de cachorro.
Intoleravelmente, se algum espectador perceber sua crise de ausência - como bem descreveu Socorro, vulgo Poliana Tuchia - este vai arrebatar sobre sua figura uma descomunal praga, um olhar que denuncia por inteiro sua arrogância, de propor algo que não está fazendo. Ou seja, não há nada que o nariz vermelho possa fazer por você.
Dessa forma, como então retirar do espectador um olhar de graça sem tentar fazê-la, sem denunciar a ação cômica, sem intencionar fazer algo engraçado? Pensando exatamente o contrário disto: não tentar ser jocoso; não denunciar o tropeço; não buscar a graça pela gracinha. E é daí, justamente, que surge o desgaste físico, mental, quando não se tem que fazer nada, pois não há nada a ser feito. Assim, em vez da pachorra ou de querer conduzir a todos, como um mestre de cerimônias que anuncia a entrada de uma manada de outros mestres de cerimônia, tornando este um evento cíclico, imagino que o há de ser feito é tentar buscar um outro olhar sobre as coisas todas, com fantasias, alegorias do pensamento, sendo lírico, sobrenatural, mas acima de tudo sincero com si mesmo e com os outros que o observam.
Leonardo Rocha.
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