terça-feira, 22 de março de 2016

Sobre o Piauí e todos os encantos de teatrar por lá...

E finalmente conhecemos o Piauí, pelo melhor caminho possível: o teatro. Um estado que só conhecíamos no mapa e de tantos encantos, de povo de tanta doçura e hospitalidade que voltamos pra Minas já cheios de saudades.


Em março, viajamos para a segunda etapa da nossa turnê "DO XINGU AO PARNAÍABA", projeto contemplado pelo prêmio FUNARTE Myriam Muniz de Teatro, que levou nosso GOMO A GENTE GOSTA por cidades na região do Xingu no Pará ano passado e, agora, para cidades perto do rio Parnaíba, no Piauí.

A primeira parada foi a capital Teresina. Chegamos já com uma intensa agenda nos veículos de TV e rádio, muitas entrevistas, cantorias, falatórios...conduzidos por um lindo sotaque que só o Piauí tem, meu irmão!

No dia do espetáculo, a chuva, claro, chegou logo no início, fraquinha, um refresco pro calor. E olha que segundo o povo de lá  estávamos no inverno, época fresca. Que o calor mesmo vem no B-R-O - BRO (meses que acabam com BRO). O que não chegou foi a estrutura do nosso cenário, já que a Tam Cargos deixou nossos biombos em Brasília. Mas, como o teatro acontece sempre e acontece apesar dos problemas, ontem nosso Shakespeare ganhou um novo fundo, paradinho, que influenciava toda a nossa movimentação, mas sem afetar nossa vontade de contar essa história em cumplicidade com o público. E que público lindo, aberto, parceiro dessa narrativa.





Em Teresina fizemos também nossa Oficina Brincante para artistas e educadores no lindo cenário da histórica Casa de Cultura. Uma noite de encontro que pudemos desfrutar e conheces novos amigos e companheiros de labuta, gente brincante, cheia de arte, gente como a gente, gente como a gente gosta.
Da oficina, trazemos também na mala e na memória brincadeiras do Piauí, que aprendemos com essa gente cantante, como a "Dança da Carrapeta" que é uma dança singular, que põe o joelho no chão oooo, que faz amor chorar...





Da capital, partimos para uma cidade pertinho chamada Altos. Ao chegar na cidade, encontramos um grande parque de diversões em plena praça, mesmo local em que havíamos marcado nosso espetáculo. Me lembrei de quando era criança e da alegria que era quando um parque chegava em São Francisco (pequena cidade no interior de Minas, na beira do rio onde cresci). Onde a Lu, em pré produção, tinha pensado nosso cenário, estava a roda gigante e na segunda opção de espaço, a barca vicky. Resolveu-se então fechar uma das ruas laterais e fazer o teatro um pouco mais afastado da visualidade e sonoridade do parque. E o medo do povo preferir a euforia da montanha russa a uma Shakespeare com sotaque mineiro?

Seguimos a montagem, já com público na passagem de som. E enfim chega a hora do espetáculo. Rua cheia. Todas as 300 cadeiras ocupadas e o dobro disso de gente em pé, acompanhando atendo a cada detalhe da trama. Senhores com seus filhos prestando tanta atenção e até triangulando emoções e reações com a gente. Muita senhoras, casais de namorados, crianças e adolescentes em completo silêncio, cúmplices de Shakespeare e de seu palavratório chamado teatro. A chuva, logicamente, veio de mansinho no meio do espetáculo, fazendo com que uns corressem pra casa, outros colocassem as cadeiras na cabeça pra se protegerem dos pingos, alguns se abrigassem numa marquise e um monte de gente ficasse ali, exposto a chuva e ao teatro, arrebatando esse atores que vieram de longe pra teatrar junto desse povo, secos ou molhados.

Ao final do espetáculo, um coro da platéia gritava "de novo. de novo". Se fossemos nós uma banda de forró seria mesmo impossível não repetir pelo menos a metade do repertório tocado ali. Mas que dá vontade de começar tudo de novo e repetir toda a trama... ah... isso dá! E em seguida, foram centenas de fotos e abraço e cumprimentos. O teatro no meio do povo, apesar do parque, apesar da chuva. Teatro vivo, puro e simples só acontece assim, quando o público permite que ele aconteça.






Terceira parada, Buriti dos Lopes - cidade marcada pra sempre em nossos corações. Lá tivemos o recorde de público desta turnê. Mais de mil pessoas na praça. Um COMO A GENTE GOSTA em arena completa. O mesmo tanto de gente que tinha na frente do cenário, nas cadeiras e na escadaria da Igreja, tinha nas laterais e também atrás. Um dos públicos mais silenciosos que tivemos na história deste espetáculo. O silencio era tanto que às vezes dava a impressão de que estávamos numa sala de teatro, nem parecia rua. Eles riam pouco, mas suspiravam silenciosamente. Me falavam, ao final do espetáculo, que gostavam mais das partes de amor. Aí entendi a pouca reação aos tempos cômicos. Como Rosalinda, em meus apartes pro público, tinha tantas senhorinhas como interlocutoras, tão atentas como se fosse uma cena de novela.

para divulgação, passamos o dia indo às escolas, convidando as crianças e os adolescentes para irem com suas famílias verem uma história daquele tal escritor de Romeu e Julieta que todos conhecem. E eles foram. Mesmo quando alguns pequenos se decepcionavam quando perguntavam pra gente se ia ter comida e a gente dizia que não, que de graça mesmo era só teatro. E outros falavam: hoje tem show de teatro.

Nos cumprimentos ao final, um menininho de uns 10 ou 11 anos, falou baixinho comigo "Nunca pensei que fosse gostar do amor assim" e eu suspirei, suspiros como os deles quando ouviam os palavreados de amor de Shakespeare que dizíamos naquela noite. Outros tantos falaram que era a primeira vez que viam teatro e que gostaram tanto que a gente tinha a obrigação de voltar mais vezes. E que assim seja. E que seja em breve essa obrigação.








Cheios de amor por Buriti dos Lopes, seguimos para Parnaíba. Eta cidade linda. Cheia de prédios históricas e na beirinha do Rio Parnaíba e do seu delta maravilhoso, que nos rendeu um lindo passeio de barco para ver uma revoada de guarás e muito banho de rio.Parnaíba é o principal ponto da do Turismo do Piauí - pertinho dos Lençóis Maranhenses e de Jericoacoara (os dois compõe, junto com o Delta do Parnaíba, a Rota das Emoções).

No Porto das Barcas, ponto turístico na beira do Rio, teatramos em Parnaíba. Nosso público misturava gente da cidade; gente de longe e que mora lá; e outros tantos articuladores culturais de vários estados e que estava na cidade para a Conferência Nacional de Cultura. O pessoal do Maranhão disse que vai levar a gente pra la e com tradutor de libras pro espetáculo. E olha essa turnê plantando mais sonho no coração da gente.


Apesar do som cheio de eco do espaço fechado, muita atenção de todos às historias e às canções. Ao final, neste que era o dia Internacional das Mulheres, falamos de uma Rosalinda escrita em 1599 por Shakespeare - época em que mulher não fazia teatro. Era então um homem que se vestia de mulher pra fazer uma Rosalinda que se vestia de homem pra virar Ganimedes. Celebramos a mulher hoje no teatro e em todos os lugares que ela pode e queira estar.





Fechamos a turnê em Luiz Correia, chegando ao mar. Teatro na noite do final da novela das 8.

A chuva que pegamos ao amanhecer alagou as ruas da cidade, fez com que nem aula tivesse direito nas escolas (o moço que nos acompanhava falou "no meu tempo tinha aula em dia de chuva!"). O medo da chuva nos fez mudar o espetáculo da praça pro ginásio. Paulinho, nosso técnico de som, tentou milagres, mas é de fato impossível uma equalização legal num poliesportivo. Nós atores combinamos estão de ar-ti-cu-lar-bem-as-pa-la-vras. Nos textos do Ganimedes, que mal me sobram tempo prum respiro, todo construído com timbre fechado e velocidade rápida nos estudos com a Babaya (nossa amada preparadora vocal), tornou-se mais lento, aerado e menos forte, em busca de menos eco naquele ginásio. Dentro das possibilidades, fizemos o que parecia melhor e mesmo sem a qualidade sonora que tanto nos deliciamos em praça pública, o texto chegou ao público, atento e cheio de reações e relações com a gente, com a história, como a gente gosta de verdade. As pequenas menininhas de Luiz Correia aconselhavam, com gestos e olhares, Rosalinda a ir logo pra perto de Orlando. O trem mais lindo. Cumplicidade pura. Era um final de novela ali mesmo, ao vivo pra elas, celebrado ainda com um beijo. Pena que essa novela não se repete no outro dia de novo, como aquela da tv.








E a chuva, que nos fez ter medo da praça, não veio, desde a hora que fiz uma Marinhazinha - tradição que aprendi no Pára: uma bonequinha de papel que prendemos e se não chover, levamos ela pra passear. "Mariazinha, Mariazinha... se não chover te levo pra passar la em Jericoacoara". Mas a promessa foi cumprida e estes mineiros encerraram a turnê com uns dias de folga no paraíso do Ceará. 

Voltamos pra Minas, com o Piauí na memória, na vontade no peito de voltar, pra um reencontro, pra emoções e histórias que só esse tal teatro nos faz viver. Obrigada, Piauí. Um dia a gente volta, meu irmão!




Relatos de Mariana Arruda
Fotos de Luisa Monteiro

3 comentários:

  1. Gratidão! Pela oficina e pelo teatro na praça aqui em Teresina. Vez ou outra eu olhava os moradores de rua, rindo, em pé no chuvisco. Pura emoção levar arte a quem é sempre tão excluído e esquecido. (Escrevi algo sobre isso no caderno de vocês.) Volta logo, mermã (minha irmã)! Porque a gente quer sonhar e mangar (sorrir) novamente com vocês. Até breve!

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    1. Até breve, Carolina... um dia a gente volta, mermã. E que seja logo. Um beijo grande procê.

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  2. Eita! Que lindos, vocês levando o coração cheio, para esvaziar nas praças do Piauí... É amor, pelo teatro, pelo ofício que escolheram, na certeza de fazerem sempre o melhor, a cada dia esta é a meta. Beijos e que chegue logo a tournée do norte de Minas

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